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Os presidentes Lula e Zelensky posam durante encontro em Nova York: aprendizados do passado e novo cenário geopolítico podem ajudar a diplomacia brasileira a mediar com mais sucesso tanto as tensões entre Guiana e Venezuela quanto a guerra na Ucrânia. Foto de Ricardo Stuckert / Presidência do Brasil

O que o histórico fracasso da mediação do acordo nuclear com o Irã ensina sobre ambição brasileira de mediar conflitos atuais

Em março de 2022, um mês após o início da invasão russa da Ucrânia, o então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, conversou com o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, e sugeriu que o Brasil poderia ser um mediador e facilitador de um diálogo entre Rússia e Ucrânia para encerrar o conflito. Após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, em janeiro de 2023, mediar o fim da guerra tornou-se uma peça central da “Doutrina Lula”, uma tentativa de ganhar prestígio internacional enquanto o Brasil anunciava que estava “de volta” ao cenário mundial. Lula defendeu a criação de um “clube da paz” para negociar uma saída para o conflito. Quase dois anos depois, em novembro de 2023, o Brasil se ofereceu para sediar reuniões para mediar outra contenda, dessa vez entre a Venezuela e a Guiana pela região de Essequibo, na fronteira entre os dois países.

A tentativa do Brasil de ser um mediador pela paz é um importante indício de continuidade nas políticas externas dos lados da polarização política que assola o país nos últimos anos. De fato, a busca por uma atuação de destaque na resolução pacífica de conflitos é um elemento constitutivo da diplomacia do país, há muito tempo vista como parte da ambição do Brasil de alcançar um alto status internacional.

No entanto, a história recente de fracasso ao tentar se posicionar como um mediador confiável em importantes conflitos globais oferece lições importantes para o país. O caso mais evidente se deu quando o Brasil tentou negociar um acordo nuclear entre o Irã e o Ocidente, em 2010. O país chegou a anunciar, junto à Turquia, que um acordo havia sido alcançado, mas as grandes potências globais ignoraram o esforço e continuaram pressionando o Irã, chegando a um acordo próprio anos mais tarde.

Em um artigo acadêmico recém-publicado pela Revista Brasileira de Política Internacional, eu e o professor Miguel Mikelli Ribeiro (da Universidade Federal de Pernambuco) analisamos como esta tentativa frustrada do Brasil de mediar o acordo do Ocidente com o Irã foi percebida no exterior a fim de compreender o papel que as grandes potências acreditam que o país pode desempenhar nas negociações pela paz em conflitos internacionais. Essas percepções importam, pois refletem o status internacional do Brasil. Para ser aceito como um legítimo negociador de conflitos, o país precisa ser reconhecido como tal pelos principais atores da política global.

O trabalho é baseado na análise temática reflexiva de 60 entrevistas com membros da comunidade de política externa do P5, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia). Os dados foram levantados durante pesquisa de doutorado pelo King’s College London. A partir desta avaliação, o artigo argumenta que a percepção das grandes potências é que o Brasil não tem uma voz significativa em questões de segurança global e não pode ser um mediador em grandes conflitos globais - o que valeria para a atual guerra entre Rússia e Ucrânia.

A tentativa do Brasil de intermediar um acordo entre o Irã e o Ocidente foi vista como uma busca exagerada do país de ter um papel relevante no mundo. Por mais que o então presidente americano Barack Obama tenha acenando a favor de um envolvimento brasileiro, enquanto o P5 estava focado em encerrar as capacidades nucleares de Teerã, essas grandes potências nunca reconheceram completamente que o Brasil tinha um papel a desempenhar nas discussões e viam o país tentando agir fora de sua esfera de influência.

De acordo com as percepções das grandes potências: “O Brasil não é relevante em questões de segurança internacional”. A ideia principal desenvolvida a partir da análise das entrevistas é que o Brasil não é visto como um país que possui poder bruto (militar e econômico) suficiente para ter uma voz nas questões de segurança global.

Da perspectiva dessas nações poderosas, sem ter poder militar e econômico e sem recursos para ser relevante em questões de segurança, o Brasil agiu de maneira irrealista ao tentar mostrar peso internacional no caso do acordo com o Irã. Os entrevistados argumentam que o país não tinha um papel a desempenhar naquela situação e não tinha legitimidade para ser relevante no acordo.

O fracasso no caso do Irã mostra ser improvável que uma nova tentativa, como no caso da guerra na Ucrânia, tenha alguma consequência, pois uma ação brasileira tende a cair em ouvidos surdos e a não fazer diferença.

Conflito entre Venezuela e Guiana pode reverter percepção

Essa análise mostra que há discrepâncias entre as percepções internas e externas da agenda internacional do Brasil e seu papel no sistema internacional. Enquanto o país aspira aumentar seu status e usa a mediação de disputas internacionais para buscar isso, o olhar externo revela uma percepção diferente, de um país sem força no cenário global.

Isso não significa que essas percepções do P5 devam determinar totalmente quem pode desempenhar papéis significativos na mediação de conflitos e em outros assuntos na política mundial. Mesmo que o P5 não acredite que o Brasil possa ser um mediador em casos como o acordo com o Irã, ainda há meios para o país desempenhar um papel em importantes questões internacionais.

Um exemplo claro disso é a atual tensão entre a Venezuela e a Guiana. Por ser uma disputa de menor impacto global - especialmente em um momento em que as atenções das potências estão voltadas para as guerras na Ucrânia e em Gaza - e por ser na região em que o Brasil tem um peso político maior, não há motivos para ver o esforço brasileiro em mediar uma saída pacífica para a disputa como uma ambição exagerada.

Pelo contrário, há até uma expectativa por parte de potências como os EUA que o Brasil tenha uma atuação no caso. E uma ação bem-sucedida do Itamaraty nesta disputa pode até mesmo ajudar a mudar a percepção global. Em contraste com o fracasso no caso do Irã, o sucesso em Essequibo pode dar mais peso ao Brasil em outros casos de tensão internacional que precisam de um negociador hábil para evitar conflitos maiores.

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