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Numa bateia, um fino pó dourado, que é o ouro, foi separado dos sedimentos
Extrato da Ochroma pyramidale é eficiente na separação das “fagulhas” finas de ouro do Rio Madeira, e evita o lançamento de substâncias tóxicas no ambiente. Arquivo do autor

Planta da Amazônia pode ser alternativa ao uso do mercúrio no garimpo de ouro

Um dos principais problemas ambientais do garimpo de ouro é o uso do mercúrio, um metal pesado utilizado na separação do ouro dos demais sedimentos, e que causa contaminação de rios e peixes. Mas uma planta nativa da Amazônia e de outras regiões das Américas tem despontado como uma possibilidade promissora para fazer frente ao mercúrio usado no garimpo.

A extração de metais de solos e rios existe desde muito antes do emprego do mercúrio, e comunidades de garimpeiros da região de Tadó, no Departamento de Chocó, Colômbia, mantiveram viva por séculos a tradição do garimpo artesanal de ouro e prata com o uso de plantas locais. Recentemente, os ribeirinhos do baixo Rio Madeira, no estado do Amazonas, também passaram a garimpar usando uma das plantas utilizadas no garimpo artesanal do ouro nas comunidades colombianas.

Os conhecimentos tradicionais também podem inspirar a ciência. E foi a partir da experiência das comunidades colombianas e do baixo Madeira que teve início o projeto “Potencial Biotecnológico de Ochroma pyramidale como substituto do mercúrio na mineração de ouro”, desenvolvido por pesquisadores das Universidades Federais de Rondônia e do Rio de Janeiro, do Estado do Amazonas e do Instituto Militar de Engenharia, com a participação técnico-logístico da Cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira (COOGARIMA).

O “pau-de-balsa”

Vê-se gramado e nele um arbusto
Ochroma pyramidale com cerca de 10 meses plantada no Campus da UNIR, em Porto Velho. Arquivo do autor

A Ochroma pyramidale, que no Brasil é chamada de “pau-de-balsa”, é uma planta conhecida popularmente do sul do México, passando por Colômbia e Peru, até a região norte do Brasil. Na Amazônia, a planta, além da extração de ouro, tem sido também amplamente utilizada no reflorestamento de áreas desmatadas.

Da família do quiabo e do algodão (Malvaceae), o “pau-de-balsa” produz uma madeira leve e resistente, que vem sendo bastante utilizada em diversas regiões do mundo, especialmente na área da engenharia e ciência dos materiais. China e Estados Unidos são os maiores consumidores de sua madeira.

Saberes tradicionais e ciência juntos

O primeiro passo dos pesquisadores foi o de tentar criar um procedimento mais eficiente e sustentável na separação do ouro dos demais sedimentos, usando, inicialmente, o extrato bruto do pau-de-balsa. O extrato é feito umedecendo com água uma folha média e a espremendo manualmente.

A participação dos garimpeiros da COOGARIMA foi fundamental nessa fase do estudo. Não apenas eles obtiveram o concentrado de sedimentos para análise, como a presença de um dos garimpeiros nos testes experimentais no laboratório foi imprescindível: o olhar para identificar “fagulhas” de ouro e o sincronismo no balançar da “cuia” e “batéia” são expertises deles, e se unem ao conhecimento científico numa construção coletiva de saberes.

E os primeiros experimentos em laboratório estão sendo animadores. Ao testarmos o extrato bruto da folha da Ochroma pyramidale, conseguimos a aglutinação do ouro, que se separou dos demais sedimentos presentes. No processo convencional, utiliza-se o mercúrio metálico (Hg0), que se une ao ouro (amalgamação), num processo denominado de concentração gravimétrica (quando partículas de diferentes densidades, tamanhos e formas são separadas uma das outras por ação da força de gravidade ou por forças centrífugas).

O ouro do Rio Madeira é um ouro muito fino, são “fagulhas” difíceis de serem separadas dos demais sedimentos e resíduos obtidos no processo de concentração gravimétrica. Já a levigação (método que utiliza líquidos para promover a separação de misturas heterogêneas entre sólidos) conseguida com o extrato da O. pyramidale é eficiente na separação dessas “fagulhas”, com a grande vantagem de ser feita sem nenhuma substancia tóxica a ser lançada no meio ambiente.

Na segunda etapa do projeto, na qual estamos agora, estamos buscando conhecer quimicamente o extrato da folha da O. pyramidale, caracterizando seus constituintes químicos. O professor Valdir Veiga-Junior, fitoquímico do Instituto Militar de Engenharia (IME), está realizando experimentos para identificar os constituintes químicos e separando as fases do extrato para liofilização, que é a desidratação em baixas temperaturas, sem que ocorra perda dos constituintes da amostra.

A caracterização dos constituintes químicos da planta tem como objetivos não só identificar as substâncias responsáveis pela ação junto ao ouro, mas também verificar riscos potenciais de lançamentos aos ecossistemas aquáticos, a exemplo do que acontece com o mercúrio e outros metais pesados.

Com o extrato “bruto” - ou seja, ainda sem a sua caracterização química - reagindo com os concentrados de sedimentos contendo ouro, já se verifica uma separação bastante promissora. Mas é importante ressaltar que muitos experimentos ainda são necessários para se obter proporções ideais para efetividade no processo de separação de ouro, quando será possível ampliar o uso para os processos utilizados nas balsas e dragas.

Uma vez concluída a etapa atual, poderemos passar à aplicação prática do estudo. As fases posteriores do projeto incluem a busca por métodos simples e aplicáveis de uso do “pau-de balsa” pelos garimpeiros artesanais; a criação de viveiros na germinação da Ochroma pyramidale para que produtores rurais e familiares possam produzir mudas em quantidade e de boa qualidade para plantios; e o desenvolvimento de ações de Educação Ambiental junto aos garimpeiros artesanais e comunidades ribeirinhas envolvidas.

Os saberes tradicionais de comunidades de garimpeiros artesanais podem, em breve, retornar às populações locais em forma de conhecimento científico, num trabalho coletivo para reduzir os prejuízos ambientais causados pelo uso do mercúrio.

O projeto está sendo desenvolvido por diversos pesquisadores divididos em grupos, que têm como líderes os professores Marta Pereira (Universidade Estadual do Amazonas-UEA); Valdir Veiga-Junior (Instituto Militar de Engenharia-IME); João Paulo Torres (Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ) e Ronaldo de Almeida e Wanderley Bastos (Universidade Federal de Rondônia-UNIR).

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