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Falta de referências positivas dificultam a construção de uma identidade étnico-racial entre crianças e jovens negros nas escolas do país. Zanone Fraissat/Folhapress

Reconhecer preconceitos históricos é o primeiro passo para uma educação antirracista nas escolas brasileiras

A escola é um dos espaços mais democráticos e diversos da sociedade. Ou pelo menos deveria ser.

A obrigatoriedade de matrícula das crianças no Ensino Infantil faz com que nesse lugar se deem os primeiros contatos com aqueles ou com aquilo que é diverso. São as primeiras relações fora do âmbito familiar, que proporcionam a convivência com crianças de distintas religiões, múltiplas composições familiares, hábitos alimentares e parâmetros culturais diferentes, raças e corpos convivendo em um mesmo ambiente e visando um mesmo objetivo: o desenvolvimento pleno do ser humano.

É por isso que podemos dizer que os espaços de educação formal são experiências essenciais tanto para a construção de saberes científicos como de saberes identitários.

Escola e construção de identidade

A palavra identidade tem origem no latim, significando “o mesmo”. E a identidade é, antes de tudo, construída de modo coletivo. Em seu trabalho, a professora de Sociologia britânica Kath Woodward esclarece que a identidade tem como principais marcadores a diferença e o símbolo.

Assim, para que possamos saber quem somos, precisamos conviver com o que é semelhante a nós e com o que é diferente: daí a importância da escola e da diversidade para a construção da identidade. Essa convivência precisa ser mediada por atitudes críticas - capazes de enxergar e enfrentar o preconceito arraigado em nossa sociedade - e por uma proposta educativa antirracista.

Mas, na prática, não é isso que acontece…

É possível perceber que a identidade racial tem uma gradação, na qual algumas características, físicas e culturais, são mais valorizadas em detrimento de outras. No Brasil, por exemplo, a herança europeia é avaliada como positiva, enquanto as heranças e características africanas estão relacionadas ao negativo ou vistas de modo pejorativo.

Direito à educação antirracista

A infância é estudada há séculos; no entanto, a infância negra passa a ser estudada no Brasil apenas a partir de 1990, quando houve uma cisão com a abordagem que definia apenas a pobreza como um marcador entre as diferentes infâncias.

Pesquisas mostram que as crianças negras constroem precocemente uma visão negativa da própria identidade étnico-racial. E acrescentamos a esta constatação que parte desta visão negativa da negritude é introjetada pelas práticas escolares.

Quando avaliamos os livros didáticos na busca da presença de referências negras, percebemos uma educação alicerçada na ausência, seja no apagamento de importantes personalidades negras nos livros didáticos (como Mãe Aninha, Aqualtune e Tereza de Benguela), seja na representação dos corpos negros em posições ou profissões reconhecidas socialmente como menos importantes.

Atitudes cotidianas na educação infantil revelam que também há menos contato físico/afetivo dos educadores com as crianças negras do que com as brancas.

A constatação da ausência de referências identitárias negras positivas para as crianças e a violência racial têm levado à reivindicação pelo Movimento Negro por escolas e práticas educacionais antirracistas.

No livro Movimento Negro Educador, Nilma Lino Gomes anuncia o direito à educação como uma das principais pautas do Movimento Negro. Trata-se de um reconhecimento, pelos militantes, de que as péssimas heranças do período de escravização só poderiam e poderão ser combatidas com o acesso à educação de qualidade para pessoas negras.

Na mesma linha, a Organização das Nações Unidas (ONU) destaca a importância da educação ao visualizar esse direito como um direito habilitador, ou seja, capaz de promover acesso a outros direitos humanos.

Na pesquisa que desenvolvi para meu mestrado, “De Menina Negra a Mulher Preta: educação e identidade”, evidenciou-se o caráter interseccional da identidade de meninas negras. A interseccionalidade é uma importante abordagem teórico-metodológica que tenta explicar a experiência das mulheres negras e as opressões a que são submetidas dentro da estrutura social, revelando múltiplas exclusões. A pesquisa mostra que as experiências vividas pelas meninas negras no espaço escolar, desde os primeiros anos de escolarização, revelam a vulnerabilidade desta faixa etária.

Vários estudos interseccionais já apontam para a desigualdade da mulher negra em relação às brancas, com salários menores e violações de direitos. Mas quando introduzimos o elemento etário, percebemos que há uma tripla opressão sofrida pela infância negra: a de gênero, a de raça e a etária, tendo em vista a sociedade adultocêntrica na qual vivemos.

Práticas escolares antirracistas

Mas há iniciativas positivas voltadas à infância negra.

O coletivo Antonieta de Barros é um exemplo de luta antirracista nas escolas. Formado em 2022 por educadoras negras (dentre as quais uma vítima de racismo em uma escola na cidade de São Paulo), o grupo, diante do despreparo das escolas, criou recentemente um protocolo no qual enumera possíveis providências de combate ao racismo, como a formação de um comitê antirracista nas escolas e o tratamento dos dados dos casos de racismo ocorridos em cada unidade educacional - ações alicerçadas no registro, na responsabilização e na representatividade.

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) produziu um curso sobre racismo e educação antirracista para alunos, professores e funcionários, disponível no Youtube para quem tiver interesse.

Já o documentário “Por que preciso voltar a escola?” parte do desejo de meninas negras por uma escola mais plural e aborda de maneira clara a urgência de novas práticas pedagógicas.

Precisamos pensar em uma escola para e pelas meninas negras, o que significa dar destaque às práticas que envolvam materiais didáticos com imagens representativas negras e conteúdos afro-referenciados, bem como um corpo docente diverso.

As frentes de atuação são diversas, mas um passo imprescindível é a formação docente. As pessoas precisam enxergar e reconhecer o racismo introjetado em comportamentos, nas instituições, no currículo e em materiais escolares. A escola não deve esperar situações de conflito para agir em prol de uma educação antirracista.

As meninas negras precisam brincar de sonhar, livre das violências, com bonecas pretas, com experiências positivas de seus cabelos crespos e, acima de tudo, com vivências positivas sobre os seus saberes afro-brasileiros.

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