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Há muito já se sabe que a vitamina D exerce importante papel na saúde dos ossos e diversos tecidos, inclusive o cerebral. Tese de pesquisadoras da UFSC indica que a vitamina pode ser determinante também na redução dos índices de depressão em idosos. Lucas Seixas/Folhapress

Saúde mental: estudo brasileiro mostra que carência de Vitamina D pode aumentar risco de depressão em idosos

As primeiras descobertas das funções da vitamina D no corpo humano envolviam o metabolismo ósseo e o raquitismo em crianças. Hoje, entretanto, sabe-se que essas funções vão muito além dos ossos, pois há uma maquinaria robusta composta por enzimas e proteínas de transporte, receptores e reguladores da vitamina D em diversos órgãos e tecidos no corpo, incluindo as células cerebrais.

Atualmente, há uma acentuada curva de publicações científicas relacionando vitamina D a diversas condições, incluindo possíveis efeitos na saúde respiratória e saúde mental. Mas será que de fato a vitamina D pode ter efeito na saúde mental?

Vitamina D e depressão

A perspectiva futura das pesquisas sobre vitamina D e saúde mental é promissora, mas desafiadora. A Conferência Internacional sobre Controvérsias em Vitamina D destaca a necessidade contínua de explorar e compreender os efeitos dessa vitamina no corpo humano.

Para tentar “colocar mais um tijolo na parede da ciência”, desenvolvi minha tese de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), intitulada “Determinantes das concentrações séricas de vitamina D e sua associação com sintomas depressivos em idosos de Florianópolis-SC”, com foco na relação entre a vitamina D e os sintomas depressivos em idosos.

Lê-se a palavra vitamina, com um D grande formado por uma nuvem de palavras que se relacionam à vitamina
Os estudos ainda não são conclusivos, mas muitas publicações científicas apontam para os possíveis efeitos da vitamina D em diversas condições, como a saúde mental. imagem da autora

A depressão é um dos transtornos de humor que acomete cerca de 5% da população adulta mundial (5% dos homens e 6% das mulheres), sendo cerca de 5,7% dos idosos (>60 anos), segundo a Organização Mundial da Saúde. Buscar novas formas de prevenção e tratamento é primordial para se reduzir a sua prevalência.

Minha pesquisa foi desenvolvida com dados do estudo EpiFloripa Idoso, que acompanha uma amostra representativa de idosos de Florianópolis-SC desde 2009. O estudo revelou que idosos com deficiência de vitamina D (<20 nanogramas por mililitro, ou ng/ml) tiveram um risco 2,27 vezes maior de apresentar sintomas depressivos em comparação com aqueles com níveis normais (>30 ng/ml). A longo prazo (2 a 5 anos), os idosos com deficiência da vitamina tiveram um risco de 2,9 vezes maior de apresentarem sintomas depressivos. Os resultados apontam ainda que fatores como sexo, obesidade, níveis de colesterol LDL, dependência em atividades diárias e atividade física podem influenciar os níveis séricos de vitamina D.

Vê-se um gato sobre um teto que está curvado para baixo exatamente no ponto em que o gato está deitado, dando a imoressão de que é o peso do gato que está causando o rebaixamento do telhado
Como explica visualmente o meme que circula na internet, correlação não significa causalidade. X

Mas é preciso muita cautela para respondermos à questão sobre a relação entre a vitamina D e a depressão. Minha tese é um estudo observacional, em que é possível apontar associações entre esses fatores, mas não podemos inferir causa a partir dela.

Há também estudos realizados com animais e células in vitro, indicando uma maquinaria robusta de transformação e utilização da vitamina D nas células cerebrais, e em possíveis mecanismos relacionados a fisiopatologia da depressão. Também temos estudos clínicos testando a suplementação em diversos cenários de sintomas depressivos e depressão.

Entretanto, devido a diferentes metodologias, doses utilizadas, amostras de pessoas utilizadas e formas de avaliar a vitamina D sanguínea e os sintomas depressivos, os resultados em conjunto ainda não são conclusivos, ou seja, ainda não podemos afirmar categoricamente que a vitamina D pode ser usada como prevenção ou tratamento coadjuvante na depressão.

Papel do sol na produção da vitamina D

Se a relação dessa vitamina com a saúde mental ainda carece de mais estudos, sua importância para a saúde óssea já é bem estabelecida, assim como o papel desempenhado pelo sol na produção da vitamina D na pele.

Vitamina D é um termo que engloba um grupo de moléculas provenientes do metabolismo do colesterol. Na pele, quando em contato com o sol, uma dessas moléculas - o 7-dehidrocolesterol - é transformada, após um complexo processo, em 25-hidroxivitamina D - 25(OH)D -, que é a forma que mensuramos no exame de sangue.

Pesquisas sugerem que a exposição diária de cerca de 15 minutos com 40% do corpo exposto resulta em uma considerável produção de vitamina D na pele. No entanto, preocupações sobre os efeitos dos raios na pele levam a diferentes recomendações, com a Sociedade Brasileira de Dermatologia sugerindo períodos mais curtos e evitando horários específicos.

Além da fonte solar, também podemos encontrar a vitamina D em alimentos como peixes gordurosos, cogumelos, ovos, alimentos fortificados com vitamina D e suplementos – quando identificada a necessidade e por meio da indicação médica.

Mas é preciso cuidado: altas doses de vitamina D também podem gerar intoxicação por superdosagem. Precisamos manter uma quantidade mínima para que o nosso sistema, quando necessário, possa transformar a vitamina D circulante para as funções. Outro ponto importante é que temos diversas recomendações de consumo e exposição solar e de avaliação do nível da vitamina D no sangue, e isso pode variar dependendo de aspectos como estação do ano (devido à menor exposição solar e uso de roupas mais cobertas) e localização geográfica, por exemplo.

Outros fatores também podem ser determinantes do nível sérico (que é a quantidade de uma determinada substância no sangue) de vitamina D. Na minha pesquisa de doutorado, também exploramos esses fatores e observamos que idosos que praticavam atividade física de lazer (150 minutos ou mais por semana) tiveram menor risco de ter deficiência de vitamina D.

Por outro lado, idosos com obesidade e com dependência para atividades da vida diária - que precisam de ajuda para realizar 4 ou mais atividades do dia a dia, como deitar/levantar da cama, alimentar-se, vestir-se ou caminhar perto de casa - apresentaram maior risco de ter deficiência de vitamina D.

Além disso, idosos, gestantes e pessoas com pele mais escura têm mais risco de estar com baixo nível de vitamina D no sangue, pois o envelhecimento diminui a capacidade da pele de sintetizar a vitamina D, e uma pele mais pigmentada também sintetiza menor quantidade de vitamina D.

No Brasil, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), considera como valor de normalidade adequado 20 nanogramas por mililitro (ng/mL) para população saudável até 60 anos, e entre 30 e 60 ng/ml para populações de risco, nas quais estão incluídos os idosos.

Para aqueles que não têm uma exposição solar adequada, recomenda-se, para pessoas até 50 anos, gestantes e lactantes, o consumo de 5 microgramas (μg) por dia (ou 200 Unidades Internacionais - UI -, que é um sistema de medidas utilizado pela indústria farmacológica: 1 μg= 40 UI). Entre 50 a 70 anos, recomenda-se o consumo de 10 μg/dia (400 UI); e de 15 μg/dia (600 UI) para aqueles com mais de 70 anos. Mas é importante ressaltar que para algumas condições no envelhecimento a indicação pode ser um pouco maior, por isso é importante sempre verificar o nível sérico e conversar com seu médico e/ou nutricionista.

Isso pode ser alcançado com o consumo de 100g (6 a 10 μg) a 200g (12 a 20 μg) de salmão de aquicultura, ou 50g cogumelos Portobelo expostos ao sol (15 μg). No entanto, essas fontes alimentares nem sempre estão disponíveis para a maior parte da população ou não fazem parte da alimentação do dia a dia.

A pesquisa desenvolvida na UFSC, com idosos de Florianópolis, representa um passo significativo para que possamos entender melhor o papel desempenhado pela vitamina D na depressão, em especial, e na saúde mental, em geral, mas o caminho à frente ainda requer mais estudos clínicos e observacionais longitudinais robustos.

A tese recebeu o prestigioso Prêmio CAPES de Tese em 2023, na área de Nutrição. Esse reconhecimento, considerado o “Oscar da Ciência Brasileira”, destaca não apenas a relevância da pesquisa, mas também a contribuição significativa para o campo. A tese foi orientada pela Prof. Dra. Júlia Dubois Moreira, e coorientada pela Prof. Dra. Débora Venske, do grupo de pesquisa em Neurociência Nutricional Translacional, e teve parte desenvolvida sob supervisão da Prof. Dra. Elisa Brietzke, na Queen’s University, no Canadá.

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