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Estudantes universitários em sala de aula do Grupo Anhanguera, em São Paulo: para o programa de retomada e modernização da indústria brasileira dar certo, infraestrutura, recursos qualificados e bom nível técnico-científico no ensino superior são fundamentais. Marisa Cauduro / Folhapress

Seminários Finep: Qual a Universidade necessária para a neoindustrialização do Brasil?

O tema do artigo abaixo é um dos assuntos que estão sendo tratados nos seminários temáticos “Neoindustrialização em novas bases e apoio à inovação nas empresas”, organizados pela FINEP, cuja sexta rodada de debates ocorre na sede da organização nesta terça-feira, 20 de fevereiro, com transmissão online. Os debates fazem parte das preparações para a Quinta Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Industrialização, que ocorrerá de 4 a 6 de junho deste ano, sob a coordenação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A iniciativa conta com o apoio da Abipti, CNI, MEI, BNDES e CNDI. As inscrições para assistir ao seminário podem ser feitas pelo email cp_vcncti.neoindustrializacao@finep.gov.br.

A pandemia da Covid deixou uma lição muito clara: a economia industrial é fundamental para o desenvolvimento das nações. A ideologia muito difundida, principalmente para os países abaixo da linha do Equador, de que é dispensável aos governos adotar estratégias nacionais de industrialização e, ao invés disso, concentrar seus esforços e energias para aproveitar o potencial existente de recursos naturais e humanos, fazendo evoluir segmentos produtivos que já possuam experiências técnicas e conhecimento acumulado, é um requentado das ideias econômicas liberais fomentadas entre os séculos XVIII e XIX que insistem em permanecer na pauta contemporânea.

O que testemunhamos, de 2019 aos dias atuais, foi o desmantelamento de importantes cadeias globais de valor e a exposição das principais economias do planeta a um grau de dependência de produtos essenciais. Isto provocou uma reação de retorno dos países centrais às estratégias de retomada do processo de industrialização em bases nacionais, agora sob novas demandas que a evolução histórica da humanidade impõe, como a mudança climática e a transição energética.

A estratégia de desenvolvimento econômico nacional da China, nas últimas quatro décadas, submeteu a economia global a uma nova divisão internacional do trabalho. Enquanto o país asiático concentrou seus interesses na produção manufatureira, com o desenvolvimento de vários segmentos industriais e atração de grandes empresas transnacionais, uma parte menor do resto do mundo dedicou suas energias em alguns poucos nichos manufatureiros (como a Alemanha, a França, o Japão e a Coréia do Sul), outra parcela intermediária investiu na expansão e qualificação dos setores de serviços, sobretudo na economia do conhecimento, da tecnologia, criativa, entretenimento e serviços financeiros (como os EUA, a Inglaterra e Israel), e, por fim, à maior parcela das economias nacionais reforçaram o padrão tradicional de produtores e exportadores de commodities.

Países periféricos sofrem com a desindustrialização

Com nova divisão internacional do trabalho emergiu um problema muito caro a grande maioria das economias nacionais, especialmente àquelas da periferia do capitalismo central: a desindustrialização. O que os economistas qualificaram como desindustrialização entenda-se como um longo processo de desestruturação de cadeias industriais nacionais e a redução do tamanho da indústria no geral na produção de riquezas local.

Esse fenômeno tem ocorrido no Brasil de maneira acentuada e fez a indústria no país recuar sua participação do Produto Interno Bruto. Em 1985 ela representava 21,8% do PIB, atualmente gravita em torno dos 10%. As razões para essa queda são complexas, mas, em termos gerais, podemos atribuir:

1) Aos movimentos ideológico-políticos neoliberais da década de 1990, que influenciaram, decisivamente, na redução da participação do Estado tanto na própria indústria, bem como na formulação e execução de políticas governamentais de longo prazo para seu estímulo;

2) Às políticas macroeconômicas das últimas três décadas, que priorizaram, em consonância com razão anterior, o combate à inflação através do equilíbrio fiscal, taxas de juros básicas elevadas (política monetária restritiva) e câmbio sobrevalorizado (abertura comercial e financeira sem salvaguardas).

Entretanto, as novas condições internacionais impostas pós-pandemia da COVID-19 somadas aos dilemas que afligem a humanidade na contemporaneidade, tudo isso aliado ao perfil mais desenvolvimentista do novo governo brasileiro, alimentaram o espírito de necessidade da retomada das estratégias de crescimento econômico, com aumento da produtividade, redefinição da pauta exportadora brasileira e adoção de uma agenda de vanguarda, a altura dos desafios do país no século XXI.

Neoindustrialização brasileira: nova estratégia é focada em missões

Com aquele intuito, o governo Lula lançou, em janeiro desse ano, o programa Nova Indústria Brasil (NIB). Uma estratégia de industrialização que propõe investimentos de R$ 300 bilhões, com boa parte proveniente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), gerido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

A novidade na estratégia é o foco em seis grandes missões. Entenda-se por missões uma abordagem teórica que opera em nível de modelo que objetiva estabelecer padrões fundamentais de desenvolvimento econômico, elaborado, originalmente, pela economista italiana, Mariana Mazzucato, professora e pesquisadora da University College London.

Na estratégia batizada de neoindustrialização brasileira, são seis os grandes desafios: segurança alimentar e nutricional, saúde, bem-estar urbano, modernização industrial, bioeconomia, descarbonização e defesa nacional.

Após o lançamento do programa, a imprensa nacional deu amplo destaque aos seus detalhes. O debate se acirrou, não faltando, claro, a presença de vários artigos críticos, a maioria “tocando um samba de uma nota só”: a proposta é uma repetição de iniciativas do passado que deram errado e somente contribuíram para elevar o gasto governamental e expandir a dívida pública.

Invariavelmente, são “vozes” que ocupam espaços nos principais jornais, programas de televisão e canais de rádio, ecoando o pensamento neoliberal que predominou nas últimas décadas, que contribuiu para a economia brasileira se tornasse um paraíso do rentismo-parasitário, exemplo de atrofiamento industrial e um dos maiores exportadores de commodities do planeta, de baixo valor agregado e reduzido conteúdo tecnológico vis a vis suas compras oriundas das economias centrais.

Porém, muitos outros artigos e colunistas receberam com entusiasmo a proposta. No dossiê produzido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o artigo Nova Indústria Brasil é esforço abrangente, mas exigirá um novo papel do Estado, escrito por Carmen Feijó, Fernanda Feil e Fernando Amorim Teixeira, uma colocação chama atenção: “É fundamental que todas as políticas se orientem para atender às missões estipuladas pela NIB. Isso exige uma reavaliação do papel do Estado e de suas instituições”.

A partir da leitura desse trecho e diante do desafio de participar de um dos seminários temáticos que a Finep está promovendo para discutir a neoindustrialização, elaborei a objetiva pergunta: qual a Universidade necessária para contribuir com a Nova Política Industrial?

A Universidade Necessária, de Darcy Ribeiro

Metade da pergunta tomei emprestada de um livro fundamental que o sociólogo Darcy Ribeiro lançou em 1969, A Universidade necessária. Mesmo guardando mais de meio século de distância, as perguntas que Darcy faz são extraordinariamente atuais, especialmente sobre o papel de uma Universidade em um país subdesenvolvido que se coloca diante de novos e complexos desafios, ameaçando aprofundar o quadro de injustiça social e aumentar o fosso entre as economias centrais e periféricas.

Tomando por base a leitura do livro de Darcy, podemos questionar: será a Nova Política Industrial um instrumento verdadeiramente intencional de mudanças do padrão de desenvolvimento econômico, social e ambiental no Brasil? Se sim, como a Universidade pública brasileira pode contribuir com esse novo padrão de modernização, conservando sua autonomia e, ao mesmo tempo, superando seus obstáculos burocráticos e crise permanente de subfinanciamento?

Para o sociólogo mineiro, a função mais genérica de uma Universidade é a de “contribuir – mediante o exercício de seu papel específico de instituição de ensino superior – para a satisfação dos requisitos de perpetuação ou alteração da sociedade global”.

Diante de tal afirmação, podemos indagar como estamos preparados em infraestrutura, recursos qualificados e nível técnico-científico para alterar os rumos da estrutura socioeconômica brasileira. Ou ao contrário, nossas instituições públicas de ensino superior serão apenas agentes em defesa do status quo, das as dificuldades de mudanças estruturais e organizacionais internas? Será mesmo que estamos imbuídos de uma consciência crítica que somos capazes de nos definirmos como agentes diretos do desenvolvimento nacional?

Para Darcy Ribeiro, se a Universidade não estiver em simbiose com as aspirações e realidades dos territórios em que se encontra, muito dificilmente alcançará os objetivos a que se pretende, de maneira autônoma, e ser instrumento de mudanças sociais e econômicas. Para ele a “crise estrutural instaura-se quando a sociedade e a Universidade divergem e andam em ritmos distintos, generalizando-se atitudes inconformadas que começam a por em causa tudo o que parecia aceito, indagando, se contribuem para as coisas permanecerem como são, ou se, inversamente, concorrem para que se alterem de acordo com as novas aspirações”.

Assim, é inevitável que surja a pergunta: já estamos em crise ou entraremos em crise, na hipótese de não reunirmos condições de participar, efetivamente, da Nova Política Industrial e seus novos anseios, trazidos pelas condições estruturais que o país precisa enfrentar?

No artigo citado logo acima, Feijó, Fiel e Teixeira chamaram a atenção para a necessidade de uma “reavaliação do papel do Estado e suas Instituições”. Diante dos desafios da neoindustrialização, a leitura e observações de Darcy Ribeiro além de inspiradoras são de vanguarda. Especialmente em sociedades como a nossa que ainda conserva traços muito fortes de subdesenvolvimento e precisa recuperar a capacidade de produzir e distribuir riquezas.

Em meados da década de 1960, quando o contexto internacional foi influenciado pela revolução termonuclear e se acirrava a competição intercapitalista, com fortes e diretas implicações nas economias subdesenvolvidas, Darcy sugeriu ser “imperativo à Universidade fazer um esforço de reflexão de si mesma, com o fim de definir o papel que lhe compete na luta contra o subdesenvolvimento. Isto equivale a delinear novo programa de reformas que permita à Universidade mobilizar-se para impedir que a intensificação das tensões apenas leve à maior solidificação da velha estrutura”.

Ora, vivemos um período histórico permeado de tensões. A Universidade pública brasileira não é imune a isso tudo e tem dado sua contribuição naquilo que é possível, atendendo as múltiplas demandas da sociedade brasileira. Contamos hoje com um complexo e robusto sistema de pós-graduação; centenas de milhares de pesquisadores distribuídos em grupos de pesquisas; instituições de fomento capazes de atender o território nacional, com enorme capilaridade; pesquisas de ponta em diversas áreas do conhecimento etc.

Poderia destacar muitas virtudes do sistema universitário brasileiro. Mas, para que as questões suscitadas acima sejam debatidas e respondidas, inclusive com o acréscimo de mais contribuições, urge a necessidade de um grande debate nacional sobre o papel e importância das Universidades públicas brasileiras para o desenvolvimento nacional. Quem sabe o movimento da neoindustrialização não fomente essa imperiosa necessidade?

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