Menu Close

A “hipótese de Deus”: novo livro defende tese de que a ciência poderia, sim, explicar a existência de um criador do Universo

Dizem que quando o astrônomo, físico e matemático francês Pierre-Simon Laplace deu uma cópia de uma de suas obras a Napoleão, o imperador francês comentou: “Disseram-me que nesse grande livro que você escreveu sobre o sistema do mundo não há menção a Deus, seu criador”. Ao que Laplace respondeu: “Não precisei dessa hipótese”.

Durante séculos, as descobertas científicas pareciam ser contrárias à crença em Deus. A ciência afastou a religião, e o desenvolvimento tecnológico tornou inútil a necessidade de recorrer a um Deus para explicar e resolver os problemas humanos. Aqueles que mantinham uma posição de crença sentiram um certo complexo de inferioridade em relação ao racionalismo. O materialismo tornou-se intelectualmente dominante.

Recentemente lançado, o livro God. Science. The Evidence. The Dawn of a New Revolution (“Deus, Ciência, as Provas: o alvorecer de uma nova revolução”, ainda sem edição em português) foi um best-seller na França em 2023, com mais de 250.000 cópias vendidas. Seus autores, Michel Yves Bolloré e Olivier Bonnassies, argumentam que o materialismo é uma crença como qualquer outra. E que o estado atual da ciência não refuta a existência de Deus. Pelo contrário: pode provar que Ele é real.

A morte térmica do universo e o Big Bang

De acordo com esses autores, apesar da incerteza remanescente sobre a natureza da matéria escura e da energia escura, os dados consistentes atualmente disponíveis, se as leis da natureza não mudarem com o tempo, mostram que o único fim possível do universo é sua morte térmica, uma consequência da aplicação do segundo princípio da termodinâmica.

A hipótese que hoje goza do mais amplo consenso é a de que o universo está em uma expansão acelerada. De acordo com essa hipótese, em cerca de 10¹⁰⁰ anos, ocorrerá a morte térmica completa do universo, tão dilatado em sua expansão que atingirá a entropia máxima - e isso será o fim de toda a atividade termodinâmica.

Terá início o que os autores chamam de “Era das Trevas”, na qual haverá apenas fótons em um espaço gigantesco que tende ao zero absoluto. Se isso for verdade, então o universo não é estático. Nem eterno. E está evoluindo numa curva existencial que terá um fim.

E se o universo tem um fim, deve ter tido um começo. O modelo padrão do Big Bang, um universo em expansão com um início definido há 13,8 bilhões de anos, tem sido repetidamente verificado e confirmado, apesar das tentativas fracassadas de desenvolver outros modelos.

O universo, portanto, não é aleatório, desordenado e casual. Ele emerge de um processo bem ajustado no qual cada elemento aparece progressivamente. Tudo surge de um “átomo primitivo”.

Antes não havia tempo, nem espaço, nem matéria. Não havia nada. O tempo, o espaço e a matéria surgem em um momento específico. O infinito, portanto, é apenas um conceito. O “antes” estaria fora da ciência experimental.

Essa hipótese, a mais coerente e a que atualmente goza de maior consenso, levanta outras questões: se o universo não é eterno, o que havia antes? O nada, o tempo? Como algo surge do nada? E, acima de tudo, por que ele surge? Para os autores, essa é a prova da existência de um Deus criador.

Embora existam outras interpretações ou hipóteses - como a inflação cósmica, um universo sem bordas, a teoria das supercordas, modelos inflacionários, um multiverso eterno e cíclico com dez ou mais dimensões decorrentes de leis preexistentes… - elas são extremamente complexas, altamente especulativas e improváveis de serem verificadas, embora sejam um exercício intelectual e científico interessante.

O livro também inclui um capítulo instigante sobre a perseguição ideológica aos cientistas do Big Bang.

Ajuste fino e a passagem do mundo inerte para o mundo vivo

Na cosmologia, o ajuste fino do universo significa que as condições que permitem a vida no universo só podem ocorrer quando certas constantes fundamentais estão em uma faixa muito estreita de valores. Portanto, se qualquer uma dessas constantes fosse ligeiramente diferente, o universo, a matéria e a vida não seriam possíveis.

O universo aparece como um “conjunto completo”, uma mecânica incrivelmente precisa em que cada estágio depende de ajustes improváveis e de engrenagens complexas e indispensáveis que se encaixam para permitir que o todo exista e funcione.

É o que alguns chamam de princípio antrópico, aquela série aparentemente incrível de coincidências que possibilitam nossa presença em um universo que parece ter sido perfeitamente preparado para garantir nossa existência. Desde a força da gravidade, a força eletromagnética, a velocidade da luz, a constante de Planck, a carga e a massa do elétron e do próton…

De acordo com isso, é difícil argumentar que o universo, a matéria e o salto do inerte para o vivo tenham surgido do caos, ou que o acaso e a probabilidade sejam a única causa. O materialismo e a aleatoriedade continuam sendo um desafio e, sozinhos, não podem explicar toda a realidade.

Uma hipótese razoável e coerente

Em minha opinião, todos esses argumentos não são demonstrações da existência de Deus. A ciência não pode provar a existência de Deus, assim como não pode provar que Deus não existe. Não há necessidade de a ciência apoiar a fé.

Para explicar o mundo ao nosso redor, não há necessidade de uma intervenção direta de Deus, o que geralmente é chamado de “Deus das lacunas”. Quando há uma “lacuna”, algo que não entendo ou para o qual não tenho explicação científica, recorro a Deus que, com seu dedo mágico, preenche a lacuna. Uma “hipótese” muito atraente, mas talvez não essencial. É bom lembrar aqui a citação “a Bíblia não nos diz como é o céu, mas como chegar ao céu”.

Mas o que os autores de fato mostram é que a ciência não nos afasta necessariamente de Deus. Que para um homem ou mulher de ciência no século 21 faz sentido acreditar em Deus. A fé não é irracional, não é um “complemento”: é também uma forma consistente de entender a realidade.

A ciência e a fé se complementam em seu objetivo final, que é o conhecimento da verdade sobre o mundo e sobre os seres humanos. A ciência nos questionará e nos dará respostas (ou pelo menos tentará) sobre como as coisas são. E a fé dará a alguns de nós a razão, o significado, o porquê. Mas esses não são territórios independentes, eles são complementares.

Para aqueles de nós que têm fé, ela é um estímulo para continuar investigando com paixão, porque quanto mais sabemos sobre o mundo ao nosso redor, mais sabemos sobre a hipótese de Deus.

E se houver algum tipo de contradição entre o que a ciência me diz e o que a fé me sugere? A realidade é uma só: essas contradições aparentes são um estímulo para estudos e pesquisas adicionais.

É como Robert W. Wilson, Prêmio Nobel de Física de 1978, escreve no prefácio do livro:

“Um ser superior pode estar na origem do universo; embora essa tese geral não me pareça ser uma explicação suficiente, aceito sua coerência”.

A afirmação “a ciência não refuta a existência de Deus, mas a prova” propõe um debate essencial sem insultos, degradações ou cancelamentos.

Refletir sobre as coisas não precisa significar descartar “a hipótese de Deus”.

This article was originally published in Spanish

Want to write?

Write an article and join a growing community of more than 182,600 academics and researchers from 4,945 institutions.

Register now