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A família de Luiz Carlos e seus filhos na comunidade de Santa Luzia, na Ilha de Marajó: no conceito de transição justa, a tradição extrativista ribeirinha precisa ser contemplada nas mudanças de modelo econômico. AP Photo/Eraldo Peres

Transição energética justa na Amazônia: o desafio de redefinir paradigmas econômicos sem excluir a tradição extrativista local

O conceito de transição energética “justa”, por definição, refere-se à mudança gradual das fontes de energia fósseis para fontes de energia renováveis de uma maneira acessível, que não deixe ninguém para trás. E essa é uma discussão especialmente sensível na Amazônia.

A transição justa nessa região não se limita à mera mudança de fontes de energia e de modelos econômicos. Ela vai significar uma profunda redefinição de um legado enraizado em séculos de extrativismo na região. Este desafio implica a transformação da lógica que moldou a sociedade, e agora é necessário assegurar a inclusão de sistemas, pessoas e instituições em um novo paradigma, a de baixa emissão de carbono.


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Internacionalmente, as discussões sobre a transição justa estão em estágio inicial, gerando debates acalorados e perspectivas diversas. É imperativo analisar os impactos imediatos na força de trabalho e na energia e reconhecer que as medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas impactarão todos os aspectos da vida, desde a alimentação até a cultura e a educação de nossos filhos.

Ao abordar a transição justa na Amazônia, é essencial confrontar verdades desconfortáveis. Com exceção dos povos originários, todos nós, amazônidas, descendemos de imigrantes que buscaram explorar as riquezas da região. Esse modelo de exploração dos bens comuns da Amazônia persistiu sem reavaliação por múltiplos governos. Isso demandará agora uma transição cultural significativa que abarcará as pessoas e as diferentes realidades que perpassam o território.

A necessidade premente de alterar a lógica de séculos de uma sociedade baseada no extrativismo ressalta a importância dessa transição cultural como ponto de partida. Para mais de 20 milhões de amazônidas, essa mudança transcende a simples adoção de novos métodos. Ela é uma redefinição profunda de valores, práticas e relações com o meio ambiente.

Um exemplo dessa alteração é que em certas regiões da Amazônia, em especial aquelas próximas ao arco do desmatamento, ainda é sinal de status social a criação de gado, mesmo que a floresta em pé tem tenha potencial econômico maior. A ideia da floresta viva como um bem é uma profunda mudança de paradigma. A transição cultural não é apenas uma mudança de comportamento. Ela é uma evolução na percepção coletiva, reconhecendo a interdependência entre a região e seus habitantes.

Uma vez que se têm como premissa que a transição cultural é necessária, passa-se a endereçar aspectos mais tangíveis desses caminhos, potencialmente tortuosos, para a transição justa de uma região tão vasta, heterogênea e complexa, como a Amazônia.

Este artigo não tem a presunção de exaurir todos os aspectos de um assunto tão ramificado quanto a transição justa da Amazônia. Aqui serão abordados de forma resumida alguns dos principais sistemas a serem repensados, quando se fala em desenvolvimento para todas as comunidades, deixando ninguém para trás.

Em primeiro lugar, temos a transição energética justa. Enquanto as discussões globais clamam pelo fim dos combustíveis fósseis, é crucial abordar a pobreza energética de quase 3 milhões de habitantes na Amazônia. Lar de gigantes como as hidrelétricas de Belo Monte e Tucuruí, ainda há territórios na Amazônia em que energia é um luxo.

Comunidades que por vezes localizam-se exatamente embaixo de linhas de transmissão enfrentam desafios únicos, dependendo de geradores a diesel devido ao isolamento do Sistema Integrado Nacional. A transição justa energética exige soluções adaptáveis às necessidades particulares dessas comunidades, garantindo que o acesso à energia seja considerado um direito básico, não um privilégio.

Agropecuária e hidrovias: desafios intrincados

Quando se fala da agropecuária, que hoje desempenha um papel fundamental como fonte de trabalho e renda, a transição justa nesse setor é um desafio ainda maias intricado.

Ao migrar para modelos agrícolas menos emissivos de gases de efeito estufa, deve-se equilibrar a necessidade de preservar o sistema alimentar local e proteger os trabalhadores envolvidos. A transição agrícola justa não é apenas uma mudança de práticas. Ela é um redesenho do sistema, incorporando bioeconomia, restauração e práticas sustentáveis, e considerando o seu impacto nas comunidades agrícolas.


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Um outro exemplo que deve ser ler lembrado é o uso dos rios como meios de transporte na Amazônia. Uma prática vital, que para não ser prejudicada precisa contar - num processo de transição justa - com um planejamento meticuloso para minimizar os impactos causados pelas mudanças de rotas. E não se trata apenas de encontrar alternativas ecologicamente corretas, mas também repensar como as infraestruturas podem ser desenvolvidas para preservar a integridade ambiental e respeitar os modos de vida locais.

Por isso, aqui fala-se de transições justas, no plural, já que elas não podem ser encaradas de forma isolada. Elas estão interligadas e requerem abordagens integradas.

O processo de transição cultural, por exemplo, serve como alicerce para todas as outras mudanças. Da mesma forma, a transição energética não pode ser realizada de maneira justa sem levar em conta as peculiaridades da região.

Portanto, a transição justa na Amazônia não é apenas uma questão técnica, mas um movimento complexo que busca equilibrar o desenvolvimento econômico regional com a preservação ambiental. E é importante garantir que os amazônidas desempenhem um papel ativo na concepção e implementação dessas mudanças. Essa abordagem holística é vital para forjar um futuro sustentável e próspero para a Amazônia e suas comunidades únicas.

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