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Os vetos do governo ao PL 1.459/2022 impedem, por exemplo, que agrotóxicos como o fipronil - principal responsável pelo aumento agudo da mortandade de abelhas no país entre 2013 e 2017 - volte a ser usado indiscriminadamente. AP Photo/Charlie Riedel

O futuro do Ibama, da Anvisa e das abelhas brasileiras está nas mãos do Congresso Nacional

O Brasil vive um tensionamento constante quando o assunto é a regulação do uso de agrotóxicos. O país é um dos maiores consumidores desses produtos do mundo, senão o maior.

No final de novembro de 2023, o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei (PL 1.459/2022) que concentrava maior poder no Ministério da Agricultura, diminuindo a participação o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nesse processo. De modo geral, o PL aprovado flexibiliza as regras de aprovação, registro e comercialização dos agrotóxicos.

Enviado ao presidente Lula para ser assinado, o projeto foi sancionado com 17 vetos. Aconselhados pelos ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, os vetos presidenciais permitiram a manutenção do protagonismo técnico do Ibama e da Anvisa no processo de registro de agrotóxicos. Ao mesmo tempo, entre outras medidas, agiliza a aprovação de novos produtos.

O país precisa da grande capacidade técnica da Anvisa e do Ibama para regular e fiscalizar o setor. Principalmente porque o registro de novos agrotóxicos continua em alta.

Segundo números do Ministério da Agricultura, entre 2019 e 2022, foram liberados 2.181 novos registros de agrotóxicos, com expectativa de aumento a partir da aprovação da nova lei.

A lei determina que os vetos presidenciais sejam revistos pelos senadores e deputados. Após os feriados de Carnaval, portanto, poderão entrar ou não na pauta de votação conforme a vontade dos parlamentares.

O resultado dependerá das ações que o agronegócio está fazendo e das negociações do Planalto para manter as suas convicções.

Esperamos que os parlamentares não derrubem os vetos que garantem o poder fiscalizador do Ibama e a Anvisa. Precisam ter em que mente que estão legislando sobre o que as suas famílias colocam no prato e também sobre a produtividade do setor.

Na atualidade, se uma companhia descobre um ingrediente ativo (IA), um inseticida novo, e quer registrar no Brasil, precisa fazê-lo no Ministério da Agricultura, na Anvisa e no Ibama, de acordo com as competências de cada órgão.

Os órgãos também fazem a reanálise de produtos que sofreram mudanças nas formulações, o que é bastante comum. As alterações são frequentes nos casos em que a patente dos produtos expira, permitindo que diversas empresas possam registrar e lançar outras formulações no mercado.

Com esse foco, há conquistas importantes. Ainda no final do ano passado, em dezembro, o Ibama restringiu a aplicação do inseticida fipronil em folhas e flores das plantas (aplicação foliar), tendo como base os seus efeitos nocivos sobre os polinizadores, principalmente as abelhas.

Guias para avaliar os riscos ambientais

A mortandade das abelhas por uso indiscriminado do fipronil, entre outros, representa uma ameaça significativa para a saúde do ecossistema como um todo. Sua ausência pode levar a uma diminuição da biodiversidade e afetar negativamente toda a cadeia alimentar.

Cerca de 76% das plantas utilizadas para produção de alimentos no Brasil dependem das abelhas para a sua polinização.

Não foi a primeira medida para controlar o uso indiscriminado do fipronil, encontrado em mais de 150 produtos (como coleiras de animais) e que tem aplicação permitida em 23 cultivos, entre eles a soja e a cana de açúcar. Em 2012, seu uso já tinha sido proibido na forma de aplicação aérea.

Cinco anos depois, em 2017, o Ibama publicou o Manual de Avaliação de Risco Ambiental de Agrotóxicos para Abelhas, uma instrução normativa para registro de novos ingredientes, visando aumentar a proteção às abelhas, que são o meu objeto de estudo há mais de 48 anos.

Elaborado por uma comissão de especialistas liderados pelo Ibama e da qual participei, o documento define critérios e métodos para avaliar a toxicidade dos agrotóxicos às abelhas e mitigar os riscos associados ao seu uso na agricultura com o objetivo de preservação dos insetos polinizadores, essenciais à biodiversidade e à produção agrícola.

Manuais semelhantes para avaliação de riscos ambientais de agrotóxicos em animais terrestres e aquáticos estão sendo agora preparados pelo Ibama.

Ação comprovada

A toxicidade do fipronil às abelhas foi comprovada por uma extensa pesquisa realizada entre 2014 e 2017, onde foram coletadas amostras de abelhas mortas em apiários localizados no Estado de São Paulo.

O trabalho teve apoio do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg, uma parceria que mostrou interesse desse setor em investigar se os pesticidas estavam relacionados à mortandades de abelhas.

Análises em laboratórios especializados mostraram que o fipronil estava presente em cerca de 70% das amostras, indicado a relação direta entre esse agrotóxico e as mortes das abelhas.

Os dados subsidiaram um debate sobre o impacto dos agrotóxicos e, especialmente do fipronil, sobre os polinizadores.

A partir dessa discussão, foram realizadas diversas ações para controlar e/ou diminuir a mortalidade das abelhas, como protocolos de boas práticas e de convivência agricultor/apicultor, orientações de uso correto dos produtos, treinamentos de aplicadores e conscientização do setor sobre a importância das abelhas para a polinização e para a produção agrícola.

Essas e outras medidas resultaram em uma melhora significativa para a cadeia produtiva dos dois setores.

A atitude do Ibama em restringir o uso do fipronil em 2023 em folhas e flores é um alerta para que haja maior consciência sobre o uso de agrotóxicos por todos os integrantes da cadeia produtiva. É uma medida voltada a promover o crescimento da atividade agrícola em consonância com a proteção da saúde e do ambiente.

A mortandade das abelhas continua

Além do fipronil, outros agrotóxicos muito usados no Brasil, como o glifosato, também contaminam as colmeias e interferem na sobrevivência do inseto.

Se não pararmos a mortandade dos insetos que cumprem esse papel, logo poderemos ter uma quantidade insuficiente para a polinização de diversas culturas – como o algodão, laranja, café, tomates, castanha de caju, maçã e melão, entre outros – o que irá afetar a produção, com chance de escassez.

O futuro da atividade agrícola e do planeta vai na direção oposta dos interesses econômicos imediatistas e aponta um caminho de parceria para desenvolver produtos melhores e manejos sustentáveis.


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